Metamodernismo: o que a tendência revela sobre os jeitos de morar em tempos de contradições
Metamodernismo é o termo utilizado para se referir a um tempo de contradições. Imagine um pêndulo que oscila entre comportamentos aparentemente contrários, mas que conversam entre si: esse é a situação que o Brasil (e o mundo) se encontra, segundo o estudo Arquitetura da Experiência, que prevê o que as pessoas desejam em relação a sua casa ao analisar comportamentos e emoções do consumidor. A pesquisa foi realizada pela Spark:off a pedido da Dexco, maior grupo de marcas do país para materiais de reforma e decoração.
Segundo o estudo, essa realidade se deve a uma busca constante por um maior bem-estar – das pessoas e do planeta – ao mesmo tempo que estamos rodeados de crises latentes, como a recente pandemia de covid-19 e a emergência climática. “É como nós, seres humanos, hoje estamos vivendo ou gostaríamos de viver. Tentamos habitar com mais fluidez em um mundo tão fragmentado”, explica Fernanda Moceri, gerente de Design Estratégico da Dexco.
Mas como isso impacta a arquitetura, o design e o morar? Nas chamadas “casas elásticas”. O termo define residências cada vez mais fluídas e moduláveis, construídas para se adaptarem às diversas necessidades do nosso dia a dia, como a presença massiva do home office em um contexto pós-pandemia. “É um conceito milenar, presente já na era do Japão Medieval, por exemplo, mas que ainda é pouco explorado no Ocidente e trata muito sobre a transformação dos ambientes”, completa Moceri sobre as “casas elásticas”.
Além disso, as residências estão cada vez mais tecnológicas ao mesmo tempo que há um resgate da ancestralidade, com uma reverência ao artesanato local, à arte popular, ao naif e a tudo o que é autêntico brasileiro. “As duas coisas podem coexistir. Estamos confluindo tecnologias das mais diversas áreas – porque o conhecimento ancestral também é uma tecnologia – e isso pode ser muito interessante para criação de novos conceitos”, afirma o arquiteto Ale Salles, à frente do Estúdio Tarimba e um dos especialistas consultados pelo estudo da Dexco.
Um exemplo dessa confluência é o espaço-instalação desenvolvido por Ale Salles para a CASACOR São Paulo 2024, em que apresentou uma releitura contemporânea de um terreiro, trazendo o uso de tecnologias digitais e o foco na ancestralidade afro-brasileira para o projeto. Outro caso é a Flagship Dolce Gusto Neo, projetada pelo arquiteto Guto Requena: a primeira loja-conceito feita com biomateriais e impressa em 3D na América Latina.
“Estamos passando por esse exato momento no meu escritório, que é conectar tecnologias disruptivas, como impressão 3D e inteligência artificial, com valores, tecnologias, pensamentos e materiais ancestrais. As tecnologias dos povos originários, por exemplo, utilizavam muitas vezes materiais biodegradáveis, como os usados na Flagship Dolce Gusto Neo”, comenta Guto Requena, que também participou da pesquisa Arquitetura da Experiência.
Seguindo esta linha, o design biofílico também está em alta. Para Requena, as plantas tomaram o seu apartamento: “Falar sobre biofilia radical também tem a ver com esse conceito. Hoje, eu moro em uma casa-floresta, mas uso altíssima tecnologia para me ajudar a cuidar dela”.
A busca constante por bem-estar e conforto
Uma das heranças das mudanças no conceito de morar causado pela pandemia de covid-19 é que o bem-estar e a qualidade de vida dentro de casa nunca estiveram tão em alta. As casas deixam de ser apenas dormitórios para virar um espaço de reconexão e descanso – em todas as esferas da vida. “Isso está muito ligado à produção de narrativas. Todo ambiente conta uma história e, durante muito tempo, essas histórias foram contadas com pouca identidade”, reflete Ale Salles.
Para o arquiteto, o bem-estar dentro de casa vai além da estética e conversa intimamente com quem a pessoa é e o que deseja. “O que é bem-estar? O que é estar bem? A gente projetou sem colocar a saúde mental na conta, e agora ela é necessária. Assim, a casa ganha esse protagonismo de cura. Eu tenho uma curadoria de objetos que me deixam felizes e confortáveis. Passa pelo conforto visual, mental, térmico e muito mais”, completa.
Não é à toa, por exemplo, que o estudo da Dexco aponta a união entre a estética e o “sentir” o espaço, explorando como a casa pode despertar sensações prazerosas através da escolha de seus materiais, texturas e cores. “Conforto, para mim, está intimamente ligada à presença de plantas, principalmente em grandes centros urbanos, à automação residencial e também a escolha dos materiais, como madeira, pedra, cerâmica, barro, tudo que nos traz de volta a esse mundo natural e que traz – por que não? – um pouco dessa ancestralidade”, afirma Guto Requena.
A pesquisa também mostra que, para 59% dos entrevistados, bem-estar significa dormir bem. Para o arquiteto Ale Salles, é necessário entender quais interferências no ambiente poderão proporcionar uma boa noite de sono – e isso é diferente para cada pessoa. “Sempre pergunto: o que é silêncio para você? E isso extrapola o campo auditivo. Um papel de parede, por exemplo, pode causar uma interferência benéfica ou não, assim como uma determinada iluminação ou até um ruído. Isso quer dizer que o dormir depende do equilíbrio sensorial do projeto”.
A sustentabilidade e a emergência climática
Frente à emergência climática e eventos climáticos extremos ao redor do mundo – como as recentes chuvas torrenciais que causaram enchentes no Rio Grande do Sul – a arquitetura e o design se voltam para encontrar soluções mais sustentáveis. Além de se inspirar nas estratégias encontradas na natureza e na tecnologia de povos originários, optar por utilizar biomateriais em construções contribui para um futuro mais ecológico.
“Aqui, não trabalhamos mais com edifícios 100% em concreto, usando materiais alternativos, como a madeira engenheirada. Além de toda toda a cartilha básica de sustentabilidade: trabalhar com materiais locais e sustentáveis, pensar em como nosso desenho impacta na quantidade de matéria-prima, entre outras ações”, conta Guto Requena.
Entender de onde vem o material, a peça ou qualquer objeto utilizado no projeto, sua trajetória e ter responsabilidade em seu descarte são outras questões importantes. “A sustentabilidade volta para a nossa prancheta para entender jornadas – começo, meio e fim. E o mercado está prestando atenção nisso na marra, com soluções que tenham menos emissões de carbono e gerem impacto social. Você tem que ter a rastreabilidade do que está usando, porque isso é impacto”, afirma Ale Salles.
expresso.arq com informações de Laura Raffs