50 anos de mar: conheça o veleiro MorGazek, que está na Copa Mitsubishi 2024
Comandado por Michele Roberto D’Ippolito — ou capitão Mich, como é conhecido no mundo da vela — , o veleiro MorGazek está comemorando 50 anos de mar.
Trata-se de autêntico Swan 48, marca que está para a vela assim como a Rolls Royce está para os automóveis.
Produzido quase que artesanalmente, como todos os modelos do estaleiro finlandês Nautor Swan, o MorGazek é um primor de requinte e tecnologia — além de ser um veleiro lindo.
Basta reparar no estilo elegante do casco e na requintada simplicidade do deque, impecavelmente revestido de madeira teca e livre de qualquer degrau ou saliência.
O que faz de cada um deles um veleiro especial é sua extraordinária combinação de beleza, performance e tecnologia de ponta.
Tudo isso embalado por um desenho clássico que não envelhece– resume o capitão Mich D’Ippolito.
Foto: Aline Bassi / Balaio / Reprodução
Ao todo, foram construídas 46 unidades do Swan 48, durante cinco anos de produção.
Correr regatas não era o objetivo principal do MorGazek: como qualquer Swan, ele nasceu para ser um veleiro de cruzeiro familiar, perfeito para grandes travessias, com total segurança e conforto.
Mas, uma vez dentro de uma competição, desliza galhardamente.
“Com ventos fortes, não tem pra ninguém. Ele gosta de pancadaria. Começa a se divertir com 15 ou 18 nós”, revela Mich, que, é claro, está dentro da Copa Mitsubishi 2024, na Classe RGS Clássicos — já com um terceiro lugar garantido na 1ª etapa — , a bordo daquele que é considerado uma obra de arte da engenharia naval.
“Eu cresci dentro de barcos. Desde pequenininho, participei da equipe do Vendetta, que pertencia ao meu tio Nicola D’Ippolito e depois passou para o meu primo Marcos”, diz ele, que, como trimmer do barco da família, calcula ter participado de todas as edições da Copa Mitsubishi até 2019, e, desde então, como comandante do MorGazek.
A história do veleiro MorGazek
Fundada em 1966, com sede em Jabobstad, na Finlândia, e controlada atualmente pela grife de moda italiana Ferragamo, a Nautor Swan constrói barcos de 36 a 131 pés, cujos projetos são definidos.
Ao longo de seus quase 60 anos de atividades, o estaleiro teve seus cascos projetados por quatro escritórios de arquitetura naval: Sparkman & Stephens, Ron Holland, Germán Frers e Juan Kouyoumdjian.
Da safra 1974, o MorGazek é um Swan 48 concebido pela Sparkman & Stephens, de Nova York, de cujas pranchetas, a partir de 1937, brotaram os quase todos os vencedores da America’s Cup num período de quarenta anos.
Ao avaliar um certo barco, nos Estados Unidos, um corretor resumiu de forma precisa o que representa o legado desse escritório:
“É um design da Sparkman & Stephens. O que mais precisa ser dito?”.
No caso do MorGazek, vale a pena acrescentar o modo como o veleiro chegou ao Brasil, uma história e tanto.
“A jornada dele começou em outubro de 1977, na cidade francesa Trinité-sur-Mer, quando velejador Daniel Proffit Deramond soltou as amarras para uma viagem volta ao mundo, ao lado da mulher, Anne, e das duas filhas pequenas”, conta o capitão Mich.
Foram três anos viajando, sem destino fixo nem GPS, até a família fazer uma escala no Brasil e se apaixonar pelo país.
Disposto a fincar raízes em solo brasileiro com sua família, o francês decidiu trocar o mar pelo cerrado e, com o dinheiro da venda do barco, comprou uma fazenda (que batizou com o mesmo nome) na cidade de Silvânia, nas proximidades de Brasília.
Segundo ele, Mor Gasek significa, em português, égua do mar.
Em nossas águas, coube ao velejador Mauro Perez o prazer e a honra de comandar o Swan 48, relação que se prolongou por 20 anos, com direito a grandes aventuras, como a participação em três regatas Recife-Noronha (Refeno), em 1999, 2001 e 2003, e em inúmeras edições da Semana de Vela de Ilhabela (na 35ª SIVI conquistou a Fita Azul na regata Alcatrazes por Boreste e o primeiro lugar na classe Bico de Proa) e da Copa Mitsubishi.
Em 2010, Mauro transferiu o MorGazek para o comandante João Francisco Borges, que encomendou uma reforma completa do barco, deixando-o novo novamente.
“A restauração foi feita no Iate Clube do Rio de Janeiro, sob a supervisão do engenheiro naval Rubens dos Santos Filho, que fez um trabalho impecável”, avalia Mich, que se tornou capitão do MorGazek a partir de 2020; inicialmente, dividindo o leme com Eduardo “Duca” Camara Lopes; atualmente, com seu único dono.
“Eu e o Duca velejávamos a bordo de outro clássico, o Vendetta, que pertence à minha família, quando soubemos que o MorGazek estava à venda. Era uma oportunidade única. É imperdível”, recorda-se ele.
Antes de assumir o leme, os dois submeteram o veleiro a um verdadeiro banho de loja.
“Tudo começou com um projeto de branding, que se desdobrou na ousada mudança de cor do casco, de branco para azul, e passou pelo recondicionamento total da mecânica, hidráulica e elétrica, além da aquisição de equipamentos e velas novos, como uma super genoa”, descreve o capitão Mich, que, carinhosamente, chama do barco de Zek.
Com o veleiro na água novamente, a dupla retomou a participação em regatas.
“Logo no ensaio, mordemos medalha de prata na Toque-Toque por Boreste da SIVI 48”, garante o comandante”.
“Em seguida, conquistamos o terceiro lugar na regata Ubatuba-Ilhabela, o terceiro também na Toque-Toque por Boreste e o quarto lugar na categoria clássicos da 49ª SIVI”, acrescenta.
Já na Copa Mitsubishi 2023, sob comando do capitão Mich, conquistou o segundo lugar na categoria clássicos, seguido de um segundo lugar na Toque-Toque por Boreste e do terceiro lugar no geral da categoria clássicos B.
“Já velejei com vários barcos, mas o MorGazek é especial”, diz Mich, que, aos 47 anos, acumula longa experiência em nossas raias, especialmente em Ilhabela.
De acordo com ele, o projeto 48 foi eleito por diversas vezes o melhor modelo da Swan.
“Ele é chamado de ‘a lenda’. É um dos projetos mais vencedores da marca finlandesa, tendo entre os seus feitos a conquista da Admiral’s Cup, da Transatlantic Race e da Newport Bermuda race”, diz ele.
Apaixonado pelo barco, que tem dois camarotes e dois banheiros em estilo clássico — a cabine parece um pub inglês —, Mich pernoita a bordo do MorGazek pelo menos por dois fins de semana por mês, ao lado dos filhos e da mulher, Milena, que também faz parte de sua tripulação durante as regatas.
“É a nossa casa de praia”, afirma. Igual ao MorGazek, só há um outro Swan 48 no Brasil: o Cangaceiro IV, que, no entanto, não ostenta a mesma boa forma do barco homenageado durante a 51ª SIVI.
Impecável, por dentro e por fora, ao completar 50 anos, o veleiro fabricado em 1974 e trazido para o Brasil em 1980 não dá sinais de que pretenda se aposentar tão cedo.
Como proclama o comandante do grupo Nautor Swan, Leonardo Ferragamo, “é um barco para a vida toda”.
expresso.arq sobre artigo de Humberto Ungaretti