Pele de Vidro: filme resgata história de edifício moderno que desabou em incêndio

“Beber Caracú é beber saúde”. É o que se lia na imensa empena de um prédio no centro de São Paulo, na manhã do dia 1 de maio de 2018.

Por décadas encoberto, o anúncio da famosa marca de cerveja pairava agora diante de um enorme amontoado de concreto, metal retorcido e vidro estilhaçado.

Entulho ao qual fora reduzido o emblemático Edifício Wilton Paes de Almeida, projetado pelo arquiteto Roger Zmekhol, tema do documentário Pele de Vidro, dirigido por sua filha, Denise Zmekhol.

O filme transcende o registro arquitetônico tradicional ao misturar um relato pessoal com questões políticas do Brasil contemporâneo, um país marcado por desigualdades e memórias apagadas.

No centro da história está o edifício, considerado um marco da arquitetura moderna brasileira, que desabou em 2018 após um trágico incêndio.

Denise, que mora nos Estados Unidos, retorna ao Brasil para revisitar as obras de seu pai e, de certa forma, conhecê-lo melhor através de sua criação.

Sua jornada íntima se transforma em um diálogo com o passado, quase como uma carta ao pai, que faleceu quando ela tinha apenas 14 anos.

Ao revisitar o Wilton Paes de Almeida, a diretora não só se reconecta com a história de Roger, mas também encontra, na estrutura do edifício, uma representação das feridas e desafios do Brasil contemporâneo.

Batizado de “Pele de Vidro”, o prédio se transforma em uma metáfora poderosa que reflete as contradições de um país que foi de um passado esperançoso para um presente repleto de problemas sociais.

O vidro, um material associado à transparência e ao otimismo da arquitetura moderna, no documentário revela uma realidade quase distópica de um Brasil que não consegue enfrentar uma de suas questões mais urgentes: a crise habitacional.

Ocupado por centenas de famílias sem-teto, o Wilton Paes de Almeida espelha esse fracasso.

A construção modernista, que um dia foi a joia de um Brasil promissor, acabou desmoronando não só fisicamente — seu colapso foi também simbólico.

Seu fim trágico reflete o fracasso de uma tentativa de construir uma identidade nacional baseada no modernismo e no progresso.

Foto © João Xavier

A tragédia do incêndio revelou não apenas o abandono de um edifício emblemático, mas também as falhas das políticas habitacionais no Brasil, especialmente em São Paulo.

O prédio era um refúgio precário para centenas de famílias. Entre elas, brasileiros e imigrantes viviam em extrema vulnerabilidade e perderam tudo para as chamas — familiares, amigos, documentos e bens.

Denise registra relatos emocionantes de moradores que enfrentavam a dura realidade da ocupação, marcada por uma liderança corrupta e infraestrutura precária.

A narrativa humana é central no filme, contrastando o drama pessoal das vítimas com a grandiosidade do edifício e o projeto modernista que ele representava.

Foto © ZDFILMS

Pele de Vidro não é apenas uma homenagem ao legado arquitetônico de Roger Zmekhol, mas também um ato de memória e reconciliação de Denise com seu pai.

A ausência física do pai e, agora, do edifício, é de certa forma preenchida pela presença simbólica de ambos através do documentário.

O filme é uma janela para o passado, um espelho das desigualdades do presente e uma tentativa de preservar memórias que poderiam ser esquecidas.

Premiado como Melhor Documentário de Longa-Metragem nos festivais internacionais de arquitetura de Barcelona e Milão, o filme estreia no Brasil no Festival do Rio 2024 e, depois, na 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. 

Pele de Vidro se apresenta como uma obra sensível, um reflexo do Brasil que fala não só do que foi perdido, mas também — e muito mais — daquilo que permanece.

expresso.arq sobre artigo de  Romullo Baratto

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