Morar em um barco já é realidade no Brasil; entenda como funciona!
Você trocaria sua casa por um barco? Na Europa, muitas pessoas já passaram por essa transição, especialmente em cidades onde há escassez de imóveis, como Paris e Amsterdã. Esse estilo de vida está chegando também ao Brasil.
Atualmente, há cerca de dez famílias morando em barcos na marina de Itajaí, em Santa Catarina. Não se tratam de barcos de veraneio ou de passeio, eles são realmente a moradia principal dessas pessoas.
A escolha de morar em um barco passa, é claro, pela questão financeira. Afinal, o litoral norte de Santa Catarina vem experimentando um aumento vertiginoso no valor dos imóveis. Segundo a última pesquisa Fipe Zap, de setembro de 2024, as três cidades com metros quadrados mais valorizados do Brasil são: Balneário Camboriú, com R$ 13.593 por m²; Itapema, com R$ 13.573 por m²; e Itajaí, com R$ 11.608 por m². Na impossibilidade de comprar ou alugar um imóvel, o barco surge como opção de moradia.
Para comparação, um apartamento de um quarto com vista para a Beira-Rio, na localização mais nobre de Itajaí, tem aluguel em torno de R$ 5.000, mais o condomínio. Já a vaga molhada na marina custa R$ 2.300. O custo de manutenção mensal de um veleiro é de cerca de R$ 1.000.
Porém, mais do que economia, morar em um barco é um estilo de vida – que vem com alguns perrengues, claro, como pouco espaço, muita manutenção e batalhas contra a umidade. Mas também com privilégios, como vista para o mar, boa localização e a liberdade de navegar para praias próximas sempre que bater a vontade. Ou até trocar completamente de endereço, sem mudar de casa, apenas atracando a residência-barco em uma nova cidade – ou até país.
Uma última vantagem, mas não menos importante, é a preparação para os efeitos das mudanças climáticas. Se os níveis dos oceanos subirem, conforme previsto por pesquisadores de sustentabilidade, as casas-barco estarão em vantagem. Ainda, é possível fugir de eventos climáticos extremos, como furacões, chuvas que causam enchentes, queimadas, etc.
Casas-barco na Europa
Em Paris, na França, cerca de 1.200 pessoas moram em casas-barco, chamadas péniches, no rio Sena. A principal vantagem nesse caso é a localização, podendo-se morar no altamente desejado centro de Paris, em barcos que, por vezes, são até maiores que os minúsculos apartamentos disponíveis por ali. As péniches ficam atracadas às margens do Sena, onde se conectam aos sistemas de água, esgoto e energia da cidade, e pagam uma taxa de habitação à prefeitura.
Em Amsterdã, na Holanda, o fenômeno é ainda mais comum. São registradas 2.500 casas-barco pelos canais que permeiam a cidade – nem todas são barcos adaptados para casas. Muitas são realmente residências, erguidas sobre plataformas flutuantes, com a única funcionalidade de moradia, demonstrando como é alto o déficit de imóveis na região. É necessário ter uma permissão oficial da prefeitura para morar nos canais, que é bastante concorrida. O mesmo ocorre em outras cidades da Holanda, como Haarlem e Utrecht.
Essas cidades europeias são pequenas em área, mas grandes em população. Como a oferta de imóveis é muito menor que a demanda, levando os preços do mercado imobiliário às alturas, morar nas águas dos rios e canais que cortam as cidades, e que são relativamente limpos, surgiu como alternativa por volta das décadas de 1960 e 1970.
Estilo de vida nômade, mas nem tanto
No Brasil, por outro lado, ter um barco como moradia principal é uma novidade. A marina de Itajaí, maior polo náutico do país, viu essa tendência crescer durante a pandemia, quando muitas pessoas buscavam isolamento, flexibilidade e mais contato com a natureza.
Neste período, chegaram a morar ali 30 famílias, incluindo crianças e animais de estimação. A marina oferece infraestrutura, como água, energia, internet, estacionamento, lavanderia, vestiário, segurança 24h, além de loja de conveniência e restaurante.
A maioria dos barcos da marina de Itajaí são veleiros, pois ali acontece o maior campeonato de vela do mundo, a The Ocean Race. Os veleiros passam por reformas para serem adaptados como casas, podendo ganhar, inclusive, painéis solares, tornando-se energeticamente independentes.
É o caso do veleiro Nomad Wind, onde o velejador e engenheiro Vinicius Freitas e a arquiteta Luciana Tenorio moram há 4 anos. O veleiro tem 8 x 4 m, totalizando 32 m². “É equivalente a uma quitinete”, afirma Luciana. Porém, 12 m² são dedicados à área de navegação, sobrando 20 m² para a moradia. “O casal tem que se dar bem”, brinca ela, sobre a convivência no pouco espaço.
Antes de conhecer Vinicius, Luciana nunca havia cogitado a possibilidade de morar em um barco, mas ela conta estar muito feliz ali. “Quando saímos para velejar, é uma sensação de alegria. Muda a paisagem da casa. Que outra morada possibilitaria isso? Estou fora, mas estou em casa”, diz.
Apesar de velejar bastante e se sentirem de certa forma nômades, eles gostam da segurança de ter a marina de Itajaí como base, onde convivem com outros velejadores e levam vidas, na maioria, urbanas, com rotinas normais de trabalho, academia, etc.
As adaptações de morar em um barco
Luciana cozinha todos os dias na casa-barco e também faz home office de lá. “Tem tudo que a gente precisa e mais: livros, vinhos, tapete, quadros”, conta. As únicas atividades diferentes da rotina de uma casa normal são o banho, que ela prefere tomar no vestiário da marina ou na academia, e o abastecimento de água, pois eles precisam encher a caixa d’água do barco regularmente.
Como arquiteta, ela se envolveu diretamente na reforma do barco de 1987 que, hoje, chama de lar. Os aprendizados dessa experiência a ajudaram a trabalhar melhor com pequenos apartamentos, que compõem parte de seus projetos. No barco, no entanto, há alguns detalhes bem específicos que tornam a moradia mais funcional. Por exemplo, todos os estofados devem ter tecidos com tecnologia acquablock.
Mas é na marcenaria a maioria das adaptações. Os puxadores devem ser embutidos para evitar que as pessoas batam ou se enrosquem. As portas dos armários devem ser de trançado de madeira, para evitar mofo, devido à alta umidade a que o barco está exposto.
O armário de louças precisa deixar os pratos e copos presos, para que se possa ter utensílios de cerâmica e vidro sem risco de quebrar. No barco de Luciana, ele já é o próprio escorredor, pois conta com sistema de drenagem.
Todas essas adaptações tornam o dia a dia mais funcional no barco, a ponto de Luciana não cogitar outra forma de moradia. Ela e Vinicius sonham com uma casa-barco maior e mais nova no futuro, mas sempre tendo o mar como endereço. É possível acompanhar a vida do casal no Instagram (@nomad.wind).
expresso.arq com informações de Maria Silvia Ferras